domingo, 29 de maio de 2011

Vídeos contam a história da cultura digital brasileira



 
Vídeos contam a história da cultura digital brasileira
(Reprodução)
São Paulo - Cinco vídeos produzidos, por cinco coletivos diferentes de produção audiovisual, contam um pouco da história da cultura digital no país e seu papel na sociedade brasileira.

A ideia das produções surgiu durante o Fórum de Cultura Digital do ano passado. Todos estão disponíveis na internet e em breve devem ser exibidos em mostras de cinema e em coletivos de cultura pelo Brasil.
"Falamos do nosso tempo, de como ele tem se organizado. Como a política tem se reogarnizado a partir de uma série de novas possibilidades. A abordagem estética dos videos mistura, por meio do recorte e da mixagem, vários discursos audiovisuais", conta Rodrigo Savazoni, um dos coordenadores do Fórum e realizador de um dos vídeos. 
Veja os trabalhos produzidos, acompanhados de sinopses.

Remixofagia - Alegorias de uma revolução 

Imagens e áudios mostram as transformações culturais trazidas pelas tecnologias digitais e a interatividade de redes. No caldeirão de imagens e sons, Helio Oiticica e Pablo Capilé, Zé Celso, Lula e Cláudio Prado, Pedro Markun e Glauber Rocha, Macunaíma e Gilberto Gil, Osvald de Andrade e Dilma Roussef. Remix por Rodrigo Savazoni, Paula Alves e Rafael Frazão.


Guerrilha Midiática

Os novos revolucionários são imaginadores, produzem e manipulam cenas, em busca de transformar a sociedade. Um filme que politiza as imagens, por meio de depoimentos colhidos no Fórum da Cultura Digital, imagens de manifestações do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra e da história de Ungaretti. Produção de André de Oliveira e Jefferson Pinheiro, do Coletivo Catarse


Re-evolución Compartida -

Identidade, diversidade e a questão latino-americana. Os conhecimentos e povos tradicionais que se valem das novas tecnologias de informação e comunicação para ganhar circulação. Questões sobre o nosso tempo, a partir de depoimentos colhidos durante o Fórum da Cultura Digital Brasileira.  Produção de Gilberto Manea e Gustavo Castro do Coletivo Soy Loco por Ti.


Deus e Diabo @ terra digital 

Nos longos planos, alternam-se cenas e fragmentos colhidos durante o Fórum da Cultura Digital Brasileira, pedaços de Deus e o Diabo na Terra do Sol de Glauber Rocha e um passeio pelo interior da Paraíba, onde a realidade se impõe, mostrando as semelhanças e diferenças nos vários centros desta nova geografia. Trabalho realizado por Gian Orsini e Ely Marques, da ABD-Paraíba.


Digirealejototal 

Foco principal na circulação livre da informação na internet como possibilidade de independência frente à antiga mídia. Destaque também para as políticas públicas do governo Lula para a cultura digital. Produção de Cardes Amâncio da Avesso Filmes

http://www.redebrasilatual.com.br/multimidia/blogs/curta-essa-dica/videos-contam-a-historia-da-cultura-digital-brasileira

“O racismo fica escancarado ao olhar mais superficial”, entrevista Abdias Nascimento


Ao longo de seus 96 anos, Abdias esteve presente e participou de inúmeras passagens importantes das lutas negras do século 20, não só no Brasil, mas também nos Estados Unidos e na África. Sua vida é ela mesma a própria história da luta negra

18/11/2010

Joana Moncau e
Spensy Pimentel
de São Paulo (SP)

A luta pelo reconhecimento dos direitos, a dignidade e a autonomia da população negra tem heróis de muitos países, entre África e Américas. É uma luta tão antiga quanto a diáspora negra produzida pelo vergonhoso comércio de africanos que vigorou no Atlântico por quase quatro séculos. É por se tratar de uma luta de tantos povos, lugares, tempos e pessoas que impressiona tanto conhecer a vida do ativista brasileiro Abdias do Nascimento.

Ao longo de seus 96 anos, Abdias esteve presente em e participou de inúmeras passagens importantes das lutas negras do século 20, não só no Brasil, mas também nos Estados Unidos e na África. Nasceu em 1914, numa época em que ainda eram extremamente recentes as lembranças da escravidão no país, abolida em 1888. Nos anos 1930, engajou-se numa iniciativa pioneira, a Frente Negra Brasileira, na luta contra a segregação racial nos estabelecimentos comerciais de São Paulo. Por sua militância política, foi preso pela ditadura Vargas.
Nos anos de 1940, viajou pela América Latina como artista – é escritor, ator e artista plástico – com a Santa Hermandad Orquídea, e fundou o Teatro Experimental do Negro, entidade que organizou a Convenção Nacional do Negro em 1945-46. A iniciativa foi responsável pela formulação de diversas sugestões de políticas públicas para a população negra durante a Constituinte de 1946. Abdias ainda organizou o 1° Congresso do Negro Brasileiro em 1950.
Militante do Partido Trabalhista Brasileiro, foi perseguido pela ditadura militar, instalada pelo golpe de 1964. Exilado nos Estados Unidos, travou contato com o movimento negro no país, no auge da efervescência do Black Power. Nos anos 1970, participou do movimento pan-africanista e foi professor universitário na Nigéria. Nesse período, atuou em países como Jamaica, Tanzânia, Colômbia e Panamá, mantendo contato com lideranças como Aimé Césaire, Frantz Fanon, Léon Damas, Richard Wright, Cheikh Anta Diop, Léopold Sédar Senghor e Alioune Diop.
Ajudou a organizar o Movimento Negro Unifi cado (MNU), fundado em 1978, e, na redemocratização dos anos 1980, voltou ao país, foi eleito deputado federal e, depois, chegou a senador pelo PDT, sempre defendendo projetos em benefício da população negra. Junto com a esposa, Elisa Larkin Nascimento, fundou o Instituto de Pesquisas e Estudos Afro-Brasileiros (Ipeafro), atualmente presidido por ela.

Na entrevista a seguir, respondida por e-mail por sua esposa, Elisa, e subscrita por ele, Abdias dá um recado à nova geração de jovens negros militantes: “O conselho que dou para essa juventude é estudar, aprender, conhecer e se preparar para, então, se engajar: agir, criar, interagir e participar da construção das coisas.”

Qual a importância de se criar o Dia Nacional da Consciência Negra? Por que o senhor lutou para que a data fosse instituída no dia 20 de novembro, dia da morte do líder Zumbi dosPalmares, e não no dia 13 de maio, 
dia da promulgação da Lei Áurea, data antes escolhida pelo governo?

Abdias do Nascimento – A demanda de se instituir o Dia Nacional da Consciência Negra no dia 20 de novembro surgiu na década dos 1970 a partir do Rio Grande do Sul, onde o saudoso poeta Oliveira Silveira militava no Grupo Negro Palmares. O movimento negro como um todo, organizado em entidades em vários estados do Brasil naquela época, a encampou. Eu já costumava dizer que a Lei Áurea não passava de uma mentira cívica. Sua comemoração todo ano fazia parte do coro de autoelogio que a elite escravocrata fazia em louvor a si mesma no intuito de convencer a si mesma e à população negra desse esbulho conhecido como “democracia racial”. Por isso o movimento negro caracterizou o dia 13 de maio como dia de reflexão sobre a realidade do racismo no Brasil.
O dia 20 de novembro simboliza a resistência dos africanos contra a escravatura. Essa resistência assume diversas expressões táticas e perpassa todo o período colonial. Durante esse período, em todo o território nacional, havia quilombos e outras formas de resistência que, em seu conjunto, desestabilizaram a economia mercantil e levara
m à abolição da escravatura. Esse é o verdadeiro sentido da luta abolicionista, cujos protagonistas eram os próprios negros. Eles se aliavam a outras forças, mas, muitas vezes, foram traídos por seus aliados. Mais tarde, entretanto, a visão eurocêntrica da história ergueria os aliados como supostos atores e heróis da abolição. A comemoração do Dia Nacional da Consciência Negra em 20 de novembro tem como objetivo corrigir esse registro histórico e reafirmar a necessidade de continuarmos, nós, os negros, protagonizando a luta contra o racismo que ainda impera neste país.

O Memorial Zumbi, movimento nacional que agregava entidades do movimento negro de todo o país em torno da demanda da recuperação das terras da República dos Palmares, ergueu essa bandeira na década dos 1980. Tive a honra de participar desse movimento. O Memorial Zumbi instituiu a tradição de se realizarem peregrinações cívicas anuais às terras de Palmares na serra da Barriga, estado de Alagoas. Conseguimos, em 1989, a desapropriação dessas terras. O objetivo era instalar ali um polo de cultura de libertação do n
egro. Hoje, existe um monumento e assistimos a cerimônias cívicas no dia 20 de novembro em que participam altas autoridades do governo federal e estadual. Mas para nós, negros, o monumento lembra a necessidade de continuarmos lutando pelo fim da discriminação racial.


O senhor esteve no exílio, de 1968 a 1981, por conta da enorme repercussão que teve a sua “carta-declaraçãomanifesto” na qual denunciava a farsa do paraíso racial que se dizia viver na América Latina. Como o senhor avalia a questão da “democracia racial” no Brasil de hoje? Onde é possível dizer que a crítica a ela colheu frutos?
O racismo no Brasil se caracteriza pela covardia. Ele não se assume e, por isso, não tem culpa nem autocrítica. Costumam descrevê-lo como sutil, mas isto é um equívoco. Ele não é nada sutil, pelo contrário, para quem não quer se iludir ele fica escancarado ao olhar mais casual e superficial. O olhar aprofundado só confirma a primeira impressão: os negros estão mesmo nos patamares inferiores, ocupam a base da pirâmide social e lá sofrem discriminação e rebaixamento de sua autoestima em razão da cor. No topo da riquez
a, eles são rechaçados com uma violência que faz doer. Quando não discrimina o negro, a elite dominante o festeja com um paternalismo hipócrita ao passo que apropria e ganha lucros sobre suas criações culturais sem respeitar ou remunerar com dignidade a sua produção. Os estudos aprofundados dos órgãos ofi ciais e acadêmicos de pesquisa demonstram desigualdades raciais persistentes que acompanham o desenvolvimento econômico ao longo do século 20 e início do 21 com uma fi delidade incrível: à medida que cresce a renda, a educação, o acesso aos bens de consumo, enfim, à medida que aumentam os benefícios econômicos da sociedade em desenvolvimento, a desigualdade racial continua firme.


Pensando o caso de Cuba, em específi co, como o senhor considera o fato de que um governo dito socialista, num país de população negra tão expressiva, aparentemente não mostra avanços na participação política dos negros?
A ideologia racial cubana é irmã gêmea da “democracia racial” brasileira. O ideal da “Cor Cubana” acompanha a constant
e referência ilusória à suposta cordialidade latina. A história recente envolve os ideais da revolução, o engajamento militar na África durante as guerras de libertação nacional e a atuação internacional de médicos em países como o Haiti. A dinâmica entre o sonho e a realidade do socialismo dá um tom distinto ao questionamento do sistema no que diz respeito à questão racial. Entretanto, não há como negar certos fatos:

(a) Os negros não estão presentes no poder político do regime cubano em número proporcional à sua participação na população.
(b) As desigualdades raciais perduraram ao longo do processo de mudança social implantado após 1959 e continuam sendo constatadas em pesquisas recentes.
(c) Há uma crescente discussão da questão racial em Cuba conduzindo ao reconhecimento de que a revolução não resolveu essa questão.
(d) Hoje, a demanda por uma abertura democrática do regime não é o discurso só de uma minoria elitista, branca, incrustada em Miami e aliada aos interesses do bloqueio. Há uma oposição de origem humilde, composta em
parte por negros e mestiços que apontam processos de exclusão e de desigualdades raciais. Não podemos mais rechaçar essa oposição como um bando de criminosos cuja traição se basearia em mentiras fabricadas pela direita fascistoide.


Durante o período em que o senhor esteve exilado, pôde estabelecer o contato entre o movimento social negro norte-americano e o da América Latina, até então, quase desconhecido daquele. Esteve com movimentos inspiradores, como os Panteras Negras. Atualmente, muitos desses lutadores ainda pagam o preço da sua resistência, vários estão presos desde os anos 1970, condenados à pena de morte ou à prisão perpétua nos EUA. Como pode ser possível que se fale tão pouco desses presos políticos?
Como sabemos, a mídia é dominada pelo poder econômico e não lhe interessa divulgar esses casos. Mas não é só o poder econômico, também a ideologia pode contribuir para isso. Não é fato novo para 
mim. Na década de 1940, quando o Brasil passava por um processo de redemocratização depois do regime do Estado Novo de Getúlio Vargas, eu ajudei a fundar o Comitê Democrático Afro-Brasileiro.

Aguinaldo Camargo e Sebastião Rodrigues Alves participaram, além de outras lideranças, e nós nos reuníamos na sede da União Nacional de Estudantes, a UNE, uma organização de esquerda. O Comitê era aberto e defi niu como prioridade imediata a luta pela libertação dos presos políticos do regime. Entretanto, quando essa libertação foi conquistada e nós negros queríamos tratar das questões específi cas relacionadas à discriminação racial, nossos companheiros brancos de esquerda não aceitaram. Taxaram-nos de racistas e exigiram que fizéssemos autocrítica. Não entramos nessa conversa, evidentemente. O Comitê morreu de morte matada. Depois, na época em que eu voltava do exílio no final dos anos de 1970, havia um movimento pela anistia ampla e irrestrita. Mas a liderança esquerdista desse movimento não reconhecia a prisão dos negros por discriminação racial como uma forma de perseguição política. Morriam trabalhadores negros nas prisões, como continua acontecendo hoje. Nós negros consideramos isso uma 
questão política. Mas, para as forças de esquerda, presos políticos seriam apenas os fi lhos de classe média e alta, quase todos brancos, que roubavam bancos, jogavam bombas ou sequestravam embaixadores. Esses, em muitos casos, efetivamente haviam cometido atos de violência, enquanto não raro negros são presos e torturados sem terem cometido crime algum.

Qual a importância que o senhor credita ao hip hop, no Brasil, para o movimento negro e para a população negra em geral? É um movimento herdeiro das lutas que pioneiros como o senhor travaram?
Considero o hip hop um movimento muito importante, sobretudo no aspecto da autoestima, pois as letras de muitas músicas e a atuação social de muitos de seus integrantes ajudam os jovens negros e as jovens negras a elevar o conceito que têm de si mesmos e de sua comunidade. Certamente, o hip hop cuida de muitas questões que são as versões atualizadas dos problemas que o movimento negro tem enfrentado desde sempre, e o hip hop oferece para a juventude uma referência, uma esperança e uma visão diferen
te daquela que a sociedade dominante e os meios de comunicação cultivam e que a juventude reconhece como mentirosa e interesseira. Entretanto, creio que seus protagonistas tenham pouco acesso aos referenciais históricos das lutas anteriores, e, nesse sentido, sua condição de herdeiros seja um pouco simbólica. Por exemplo, me parece que eles conhecem mais a história do movimento negro nos Estados Unidos, o discurso de Malcolm X e Martin Luther King, e os referenciais do reggae da Jamaica do que os fatos e os discursos do movimento negro no Brasil dos séculos 20 e 21. Pode ser que eu esteja equivocado, espero que sim!


Depois de séculos de lutas, hoje vemos uma juventude negra que está conseguindo chegar às universidades, ter mais oportunidades econômicas, formando uma elite intelectual negra. Como o senhor compararia a atual situação da juventude negra com a da época do senhor, com a da Frente Negra? Quais os conselhos que daria a essa juventude?
As entidades negras atualmente promovem muitas iniciativas análogas às da Frente Negra. O Estatuto de Igualdade Racial e todos os outros dispositivos legais, programas governamentais e instituições ou órgãos de governo dedicados às políticas públicas de igualdade racial, por exemplo, são conquistas concretas, frutos da atuação política do movimento negro. Nenhum deles foi uma bênção ou dádiva dos governantes ou políticos, muito ao contrário. Se há uma crítica ao Estatuto, é porque, em razão da 
ferrenha oposição contra ele nos setores conservadores que dominam a política brasileira, o processo de negociação de sua aprovação no Senado impôs uma série de aparentes retrocessos na letra da lei em relação a programas de governo já implantados como resultado da atuação do movimento negro. Mas foi o movimento negro que conseguiu implantar esses programas, então ele está longe de se limitar a atacar o governo. Foi ele que inseriu na Constituição de 1988, por exemplo, o direito das comunidades quilombos à titulação de suas terras. O conselho que dou para essa juventude é estudar, aprender, conhecer e se preparar para, então, se engajar: agir, criar, interagir e participar da construção das coisas. Cada um tem seu talento e sua área de interesse. O importante é se colocar a serviço do avanço e dedicar-lhe as suas energias.


Muito se fala do movimento negro no âmbito urbano, mas o Brasil assistiu, nos últimos anos, ao crescimento do movimento negro rural, particularmente o movimento quilombola, para o qual também o senhor teve especial importância na garantia do direito fundiário das comunidades quilombos. Qual a importância da questão da terra para o movimento negro, hoje?

Como fruto da mobilização política do movimento negro, a Constituição de 1988 estabeleceu o direito à titulação das terras das comunidades chamadas “remanescentes de quilombos”. Em 1989, como fruto do trabalho do Memorial Zumbi e do movimento negro como um todo, criou-se a Fundação Cultural Palmares, que seria responsável pelo processo de titulação. Entretanto, a Fundação é um órgão do Ministério da Cultura que não dispõe dos recursos humanos ou fi nanceiros para executar o trabalho de titulação. Essa tarefa passou, então, para o Ministério da Reforma Agrária. Entretanto, a Fundação Palmares dá parecer sobre a questão fundamental da condição quilombola, que determina o direito à titulação. O grande argumento para negar o direito de uma comunidade é alegar que ela não tem ou não provou que tem antecedentes históricos que a qualifi quem como remanescente de quilombo. O processo tem sido muito lento. Alguns anos atrás, a Fundação Palmares publicou um levantamento em que identificou a existência de mais de três mil comunidades quilombos em todo o país, ressalvando que certamente não conseguiu realizar um levantamento exaustivo ou defi nitivo. A questão da titulação esbarra, evidentemente, em poderosos interesses contrariados que, no contexto rural, ainda exercem a violência como forma de se impor.
Vale observar, também, que é negra a grande maioria dos sem-terras hoje organizados e conduzindo uma luta que tem sido defi nida como um dos mais importantes fenômenos sociais e políticos do século 21. A importância da terra está fundamentalmente ligada ao fato de que as cidades estão inchadas, inviabilizadas, e não dão conta de oferecer condições de vida dignas à população que já as habita, tendo grande parte dela migrado do interior. A economia rural baseada na agroindústria não tem condições de sustentar a população rural, porque não oferece trabalho em condições dignas. A produção agrícola baseada em unidades pequenas, familiares ou comunitárias, é a única solução para o campo e ela precisa, hoje, de subsídios e políticas de Estado para se viabilizar. As comunidades quilombos fazem parte integral dessa solução e precisam de subsídios específicos e de políticas específi cas para o seu desenvolvimento como unidades comunitárias rurais.

Na América Latina em geral, a questão étnica tem ganhado uma importância fundamental nas lutas políticas dos povos, em países como Bolívia, Equador, México – com diferentes tons, mas sempre realçando o fator étnico sobre o fator classe. No Brasil, o fator étnico de maior potencial é justamente o negro. Qual o papel que o fator étnico ocupa na luta política nacional? Será que ele poderá ocupar papel de semelhante preponderância na luta política?
Não recorro ao eufemismo “questão étnica” porque creio que seu uso reforça o equívoco da suposta acepção biológica do termo “raça”. Esta é uma pista falsa cuja manipulação abastece de grande e valiosa munição aqueles que procuram desmoralizar e deslegitimar a nossa luta. A categoria social de “raça” é uma realidade socialmente construída que independe das justifi cações genéticas e biológicas. Estas constituem apenas um pequeno episódio no milenar processo histórico de construção das categorias sociais de “raça”, da subordinação e desumanização ideológica de grupos raciais e da discriminação racial institucionalizada em sociedades capitalistas plurirraciais modernas e contemporâneas. Os grupos discriminados nessas sociedades não correspondem a nenhuma etnia, portanto, é conceitualmente confuso e cientificamente incorreto falar de “discriminação étnica” quando o alvo desse tratamento vem a ser a população negra ou indígena, por exemplo. Um negro no Brasil, na Venezuela ou na Costa Rica não é identifi cado como ibo, acã, zulu, hutu ou ioruba, mas como negro ou afrodescendente. Os indígenas nas Américas não são discriminados na sua condição de maias, incas, quéchuas, aimaras, cheyenne, iroquois, sioux, tupis ou guaranis, mas como indígenas.
Adotar o eufemismo “questão étnica” significa, a meu ver, uma tática defensiva que instaura a confusão conceitual entre nós e entrega os pontos aos adversários que alegam que nós, ao defendermos os nossos direitos, estamos sendo racistas. Ao aceitar a defi nição deles, identificando a categoria social de raça com o critério genético biológico, nós nos submetemos ao discurso hegemônico que desmoraliza nossa própria 
luta e deslegitima nossa própria experiência histórica de opressão e discriminação. Dito isso, creio que fica evidente que considero o “fator racial” como uma questão eminentemente política e não a separo de uma suposta “outra” luta política “maior”. Considero a luta por justiça social e pela dignidade dos povos como parte integral da luta por nações mais justas e seguras, por uma comunidade internacional mais justa e coesa, e por um futuro de vida humana capaz de sustentar com dignidade nossa população, nossos ambientes e nosso planeta. (Publicado emDesinformémonos. Colaboraram Rafael Gomes e Gabriela Moncau)

http://www.brasildefato.com.br/node/5078

quinta-feira, 26 de maio de 2011

Pesquisa mostra que escolaridade causa impacto em nível de preconceito contra homossexuais


por Amanda Cieglinski, da Agência Brasil
1381 300x168 Pesquisa mostra que escolaridade causa impacto em nível de preconceito contra homossexuais 

Brasília – A escolaridade é um dos fatores que mais influenciam o nível de preconceito da população em relação a homossexuais: quanto mais anos de estudo, maior é a aceitação do indivíduo em relação à diversidade sexual. É o que aponta pesquisa realizada pela Fundação Perseu Abramo e coordenada pelo professor da Universidade de São Paulo (USP) Gustavo Venturi. O estudo, com 2 mil entrevistados em 150 municípios, foi feito em 2009 e transformado em um livro que será lançado em junho.
A pesquisa identificou que um em cada quatro brasileiros é homofóbico. Foram considerados homofóbicos aqueles que têm tendência – forte ou fraca – em transformar o preconceito que sentem em relação a esse público em atitudes discriminatórias. Esse perfil foi detectado a partir da resposta dada aos participantes a perguntas como “homossexuais são quase sempre promíscuos”, “homossexualidade é safadeza” ou “a homossexualidade é uma doença que precisa ser tratada”.
Cruzando as respostas obtidas com as características da amostra, foi possível detectar, por exemplo, que mulheres são menos homofóbicas (20%) do que os homens (30%) e que a variação de renda não tem grande impacto nesse comportamento. Já a escolaridade é um dos fatores com mais peso: enquanto entre os que nunca frequentaram a escola o índice de homofóbicos é 52%, no nível superior é apenas 10%.
“Esse efeito não é porque o assunto [a homossexualidade] esteja nos programas pedagógicos. Se  estivesse, o efeito seria maior. Mas o simples fato da convivência com a diversidade nas escolas faz com que isso se reflita em taxas menores”, explica Gustavo Venturi.
A pesquisa também entrevistou cerca de 500 homossexuais para investigar de que forma eles são vítimas de preconceito. Metade (53%) já se sentiu discriminada e os colegas de escola aparecem como segundo autor mais frequente dessa prática, depois de familiares. Quando perguntados sobre a primeira vez em que foram discriminados, a resposta mais frequente é “na escola”.
“Há uma tolerância na sociedade com a discriminação de LGBTs [lésbicas, gays, bissexuais e travestis], ela se sente mais à vontade para falar que não gosta, diferente do que acontece com os negros”, compara o pesquisador ao lembrar que estudos feitos pela Fundação Perseu Abramo sobre preconceito contra outras minorias apontaram taxas menores de discriminação.
A religião também influencia na aceitação da população LGBT. Entre os evangélicos, 31% têm tendência a comportamentos homofóbicos, contra 24% dos católicos, 15% dos praticantes do candomblé e 10% dos kardecistas. Além do acesso à informação e da frequência à escola, Venturi aponta como estratégia importante para o combate à homofobia uma legsilação específica que coiba esse comportamento, como já existe com o racismo.
“Quando a legislação vem, já reflete uma maturidade da sociedade. Depois, ela vai atuar de forma preventiva entre aqueles mais resistentes. Mesmo que digam que a pessoa não vai mudar seu pensamento, ela só vai se preocupar em não ser punida, isso do ponto de vista da reprodução do preconceito é importante. Para ser reproduzido, o preconceito precisa ser dito e se você diminui os espaços sociais para que isso ocorra ele vai ter uma reprodução menor e tende a diminuir”, diz.
Edição: Graça Adjuto
* Publicado originalmente no site Agência Brasil.
(Agência Brasil)

O medo de olhar para a frente


por Fernando Vives, da Carta Capital
 
 

As restrições ao uso das novas tecnologias digitais no mundo da escola ainda são fortes, mas este cenário tende a se modificar com o tempo. O professor acabará entendendo que lecionar não é mais uma via de mão única, e sim que o aluno tem muito a acrescentar em classe, sobretudo pela facilidade que as novas gerações têm ao usar o computador. As redes sociais podem e devem ser utilizadas dentro do contexto pedagógico, e não somente como formato auxiliar. Estes são alguns pensamentos do pesquisador em tecnologias na educação e coordenador associado do Núcleo de Informática Aplicada à Educação (Nied) da Unicamp, José Armando Valente, que trabalha com o tema desde 1983.
Valente é um raro exemplo de profissional que compôs seu currículo agregando as áreas de educação e engenharia à informática. Tem também o título de doutor em Filosofia pelo Departamento de Engenharia Mecânica e Divisão de Estudo e Pesquisa em Educação do Massachusetts Institute of Technology (MIT). Nesta entrevista à Carta na Escola, Valente fala também da dificuldade que os governos nacionais têm de adaptar o currículo ao uso das novas tecnologias. “O Brasil não está preparado, mas não há país no mundo que esteja neste momento”, afirma.
Carta na Escola: O senhor é engenheiro de formação. Como surgiu o interesse em estudar a educação e associá-la à tecnologia?
José Armando Valente: Bom, fui formado como engenheiro mecânico e, desde a faculdade, eu mexia com computador. Fui ensinar computação na Unicamp e lá conheci um grupo que trabalhava com tecnologia na educação – portanto, apesar de a tecnologia na escola ser um assunto maior há poucos anos, já se discute esses conceitos para sua utilização na escola há décadas. Em 1983, foi criado o Núcleo de Informática Aplicada à Educação, o Nied, que está na ativa até hoje e experimentou diversas fases tecnológicas. Naquela época, falávamos muito do computador para criar a linguagem operacional chamada Logo, desenvolvida por um pesquisador do MIT, nos Estados Unidos, e que dialogava com o construtivismo. Essa linguagem dizia que, em vez de a máquina instruir o aluno, o aluno que deveria instruir a máquina. Então, nesse processo, você utilizaria conceitos que permitiram ao aluno aprimorar o próprio conhecimento aos poucos. Veja que não usamos mais o Logo há muitos anos, mas as redes sociais têm a mesma abordagem. Depois focamos mais na educação a distância e nos laptops educacionais, em situações que tornam o ensino mais abrangente e melhor.
CE: Por que é importante a escola abraçar o mundo das redes sociais?
JAV: Quando falamos em inclusão digital hoje, estamos nos referindo a um conceito um pouco diferente do que estivemos acostumados nos últimos anos. Agora não se trata mais de ter acesso à tecnologia, porque grande parte da população do Brasil já tem acesso a computadores na escola, na lan house e com o barateamento do computador pessoal. A questão vai além. Já é sobre como o sujeito se comporta no meio on-line e como pode trazer essa tecnologia para tirar benefícios próprios. A importância da escola hoje é também ajudar as pessoas a desenvolver essa habilidade. É um processo de formação de pessoas, que é justamente uma das missões da escola. Mais que fazer parte da internet, as redes sociais fazem parte da vida das pessoas. A escola deveria já estar lidando com isso ao incluir as novidades tecnológicas em seu aparato pedagógico. A partir daí, existe o conteúdo das aulas, que pode se tornar mais profundo com o auxílio de toda essa tecnologia.
CE: E de que maneira o uso desta ferramenta pode fazer a diferença na educação de um estudante?
JAV: Hoje a escola está basicamente restrita a lápis e papel. O currículo dela é todo formado assim há muito tempo, os professores foram moldados dessa maneira. Só que hoje temos simulações digitais que formam novos mecanismos para se lidar com o conhecimento, tudo ao alcance do professor. Exemplos: há simulações muito difíceis de você criar utilizando somente a lousa e o giz, e que poderiam rapidamente ser feitos no computador. Estou falando de formas geométricas da matemática, estou falando de terremotos e tsunamis na geografia, etc. Imagine também uma aula de história, em que você visita um museu on-line. Estes já existem, já há uma interação fantástica atualmente.
CE: E como o senhor avalia que as redes sociais poderiam ser usadas em sala de aula?
JAV: Imagine que os adolescentes usam bastante o Twitter. Este fator já faz dele algo palatável para o professor utilizar em sala de aula, pois desperta um interesse natural. Por que o professor de Língua Portuguesa, por exemplo, não o utiliza para os alunos expressarem ideias em 140 caracteres? É um ótimo exercício de concisão, um trabalho de comunicação sintética que muitos alunos de doutorado não costumam ter. É fundamental saber resumir suas ideias no mundo de hoje. Isto também serve para professores de outras disciplinas, em circunstâncias similares. Agora, claro, o aluno precisa da ajuda do professor para utilizar a ferramenta didaticamente. Não é porque ele está no Twitter que vai sozinho usar da melhor forma possível.
CE: Mas já há professores que usam blogs, por exemplo, não?
JAV: Sim, mas muitas vezes não é um bom uso, ou é um uso incompleto. Serve mais como apoio de material, o blog não está incluso para valer na maneira de dar a aula.
CE: O aluno tende a ter mais interesse ao identificar uma ferramenta que ele usa diariamente?
JAV: Sim, mas depende muito se você tem um uso correto da tecnologia. Se você usa mal, sem conseguir agregá-la ao material didático, não adianta. O aluno precisa captar que aquilo está sendo útil para ele. Infelizmente, ainda há essa distância entre a escola de hoje e a vida fora dela, os alunos lidam pouco com o lápis e o papel.
CE: É comum professores serem refratários à ideia de inclusão da internet em sala de aula, principalmente porque conhecem menos essas ferramentas que a maioria dos alunos, que foram criados com elas. Como adaptar o professor sem traumas?
JAV: Fazer parceria com os alunos é a melhor forma, sem dúvida. Uma coisa que deve ficar clara é que a educação na era digital é bastante colaborativa, envolve interação e compartilhamento. Não pode existir mais aquela situação em que o professor se prepara para entrar na classe e dar um show-solo. Ele tem de sair do pedestal, a internet não tem nada a ver com isso e, uma vez que ela esteja presente em sala de aula, essa relação muda. Então você pode pedir auxílio para os alunos que têm o conhecimento daquelas ferramentas, que já entendem tudo da parte tecnológica, porque cresceram mexendo naquilo. O bom professor é aquele que vai aproveitar esse conhecimento do estudante, trazê-lo para a sala de aula e definir como aquele conteúdo vai fazer parte da vida do estudante. Perceba como isto é importante do ponto de vista educacional.
CE: Que casos positivos servem de exemplo da inclusão das redes sociais na sala de aula?
JAV: Lembro de um caso bem-sucedido que foi durante a moda dos flashmobs. Os alunos estavam nessa onda e os professores organizaram uma tarefa multidisciplinar, na qual os alunos tinham de preparar um evento desses. Há a concepção artística da coisa, há a resolução de problemas para que se concretize o flashmob, aí tem o professor de matemática que explora as figuras geométricas, etc. Os alunos se empolgam.
CE: Os dirigentes do ensino brasileiro têm se preparado para isso? Como o senhor avalia as políticas públicas para tal?
JAV: Não, eles não estão bem preparados, mas este não é um fenômeno exclusivo do Brasil. Para falar a verdade, é do mundo inteiro. Não há um só país que já tenha todo um programa de utilização das novas tecnologias no universo educacional e que já esteja em pleno funcionamento. Vejo que, na Inglaterra e nos Estados Unidos, há casos isolados entre escolas e grupos de pesquisas, mas nada que se caracterize como uma política pública. O problema é que essas mudanças curriculares não podem simplesmente ser feitas de cima para baixo. Não adianta o Ministério da Educação dizer que a partir de agora o ensino brasileiro vai ser totalmente dentro da era digital se o professor que está lá embaixo da cadeia não participa, se a escola não está preparada, etc.
CE: E qual é a alternativa a isto?
JAV: Com o tempo esta interação da escola tende a crescer, mas o fato é que os administradores da política pública têm de se reunir com os professores, que estão no dia a dia da sala de aula e sabem muito bem o que os alunos estão trazendo em termos de novidades. Entendendo o que os professores enfrentam, você consegue assimilar as novidades e as melhores maneiras de incluí-las no currículo.
CE: Mas a velocidade das mudanças das políticas educacionais é lenta, pode ficar décadas sem mudar. E a tecnologia muda em questão de meses. Como conciliar isso?
JAV: De fato, a política nunca vai dar conta de acompanhar o desenvolvimento tecnológico. Agora, o papel da política é preparar todos os personagens do ensino para a flexibilidade que virá do desenvolvimento tecnológico, de mostrar sobre como se preparar para ele. Estas bases são extremamente importantes não só para o mundo escolar, como também para a nossa sociedade. Cada grande mudança de tecnologia destas contém uma forte concepção educacional. Portanto, a política não vai acompanhar o avanço tecnológico, ela deve preparar o terreno para que aconteça.
* Publicado originalmente no suplemento Carta na Escola, no site da revista Carta Capital.
(Carta Capital)